sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Querida Filha

Ao ler a carta que a Rita Ferro Alvim escreve à sua filha, queria copiar a ideia aproveitar para te escrever uma a ti também, miúda.
Só que, pegando na dela, a minha seria bem diferente...

Querida filha, daqui mãe.
Escrevo-te pela primeira vez porque acho que chegou a altura de me conheceres.
Aconteceste para mim antes de aconteceres quando aconteceste para o mundo. Aconteceste no meu corpo, no meu coração, na minha cabeça, nos gestos que embalam o meu ventre. Aconteceste quando me peso, quando me deito, quando aperto os sapatos. Aconteceste quando lavei saladas, não comi carne mal passada e quando ouvi o teu coração. Quando te vi a preto e branco pela primeira vez, pela segunda e todas as outras. Aconteceste mesmo ainda antes de aconteceres.  Aconteceste no meu pensamento, nos meus planos, nos meus receios. Não Queria poder dizer-te que vais viver num planeta perfeito, onde não existe dinheiro, infelicidade, contas para pagar, doenças, morte, tragédias, e um dia a dia alucinante. Porque existe, porque vai sempre existir, e porque é bom que exista: só assim serás capaz de reconhecer o Bem, apreciar o Bom e decidir com a tua Liberdade como vais agir. Que não há Vais sentir stress. Queria dizer-te que não há maldade, nem inveja, nem competição, nem falsidade. Que não há frio e nem calor a mais. Que a noite não às vezes te vai meter medo, mas mesmo assim que os dias são sempre de sol. Que as pessoas não têm só lados bons e que nunca ninguém te vai passar a perna. Que vais fazer da tua paixão profissão, ou da tua profissão paixão, mesmo que não vais ter tenhas medo. Que nem tudo é seguro. Que não há químicos, que não há vícios, que não há interesses. Que a aventura dá sempre bons resultados, assim como a bondade, o amor e a verdade. Queria dizer-te que todos os teus sonhos vão acontecer, que a vida é música e festa e que nunca sempre haverão obstáculos. Queria dizer-te que não te vão dizer sempre tudo honestamente, calmamente, frontalmente. Que vais ter sempre uma oportunidade, que mas não vão sempre acreditar em ti, vais ter de lutar por isso. Queria dizer-te que nunca vais cair, que nunca vais sofrer. Que te vão amar incondicionalmente - eu vou, pelo menos. Que nem todos os dias te vais levantar com uma garra sem fim e que nunca às vezes te sentirás cansada. Queria poder dizer-te que eu não vou estar sempre a sorrir, que não vou ter sempre paciência, que nunca vou ralhar, ser injusta e que não vamos sempre estar em paz uma com a outra. Queria dizer-te que não vou estar sempre atenta e que não te vou sempre amparar, que nem resolverei todos os teus problemas. Queria dizer-te que não vou dar os melhores conselhos, que não vou saber estar calada. Que nunca te vou traumatizar, magoar, castigar, desiludir; mas não de propósito, nunca de propósito.
Queria dizer-te tudo isto e muito mais mas não posso para que venhas preparada para a alegria que é a vida, tal como ela éPorque se tirássemos as dificuldades à vida, o que nos restaria?  Mas queria que soubesses já que para mim aconteceste mesmo ainda antes de aconteceres quando aconteceste, e que mal posso esperar para te trazer para esta aventura que é a vida, onde estarei sempre ao teu lado.
E que a isso se chama amor.
Adoro-te, mãe.
P.S. - Percebo a tentação da Rita de escolher só as partes fáceis da vida para aqueles de quem gosta. Mas a minha concepção da Vida não me deixa acreditar no mesmo - especialmente nesta altura de Quaresma. Sem dificuldades, quem seria eu? Sem contrariedades, como me teria superado? Sem desgostos, como teria eu crescido? Viver não é um passeio no parque, e ainda bem. A felicidade não vem das coisas fáceis, nunca. Isso aprendi e isso irei ensinar.

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