sábado, 29 de agosto de 2015

Carta aberta ao João Lopes

Caro João Lopes,

Em primeiro lugar deixa-me apresentar-me. O meu nome é Maria e, segundo o teu raciocínio, sou mais uma das desistentes que abandonou Portugal sem dó nem piedade.

Podia-me ter sentido francamente ofendida com os minutos de antena que te deram na TVI. Não é o caso pois estou plenamente consciente que não troquei Portugal em busca do meu sonho americano.

Estudei 5 anos de farmácia em Portugal, em Lisboa e estou muito grata pela educação que recebi. Nunca esperei ter um embrulho no final do curso que lá dentro tivesse um emprego. Sabia que isso era difícil e só acontece com alguns e então procurei ir fazendo estágios e cursos adicionais que me acrescentassem valor. Tinha as armas todas para começar uma guerra que era muito mais difícil que aquilo que alguma vez imaginei. 

Comecei a procurar trabalho em Outubro e entre dinâmicas de grupo, testes psicotécnicos e entrevistas tive de tudo. Foram meses duros mas durante os quais aprendi muito. Se calhar dirias que além de desistente não sou suficientemente boa porque com tantas oportunidades nalguma devia ter ficado.

Em Março de 2015 "desisti". Fiz as malas e vim trabalhar para Barcelona. Mas queres saber como "desisti"? Com muitas lágrimas por deixar para trás os meus pais, os meus irmãos e os meus amigos. "Desisti" naquele último adeus em que não vale a pena tentar evitar mais o choro. "Desisti" quando a minha avó morreu e eu estava a 900 km de distância. "Desisti" quando me aconteceu trinta-por-uma-linha para conseguir os documentos necessários para trabalhar aqui.

E mesmo no meio de tantas desistências alegro-me de não olhar para o futuro "da maneira como tu olhas". É que devemos ter definições diferentes de esperança e perseverança. E alegro-me de não ser uma excepção como tu. De ser uma vulgar emigrante, sabes? Quando falas em "lutar" não deves tens noção que estar longe de casa é uma luta.

"Lá fora os salários são muito mais altos mas também se trabalha mais"

Muito bem, eu aceito o elogio de ser uma desistente. Mas nesse caso, cara excepção, teria de aceitar algum da nossa parte como "preguiçoso". O que te parece desta troca por troca?

Sim, os salários são mais altos mas não te esqueças que há uma renda para pagar, luz água e gás que não caem do céu e comida que não aparece na cozinha por milagre. Ah, e essa comida muitas vezes não vem cozinhada do super mercado, são os desistentes que a fazem depois de um dia de exploração. E as manhãs de sábado muitas vezes são passadas em limpezas. 

Ainda assim, tudo isso não me faz pensar que trabalho mais ou menos. É o que me toca.

Não quero que penses que estou infeliz com a minha vida de desistente. Pelo contrário, porque na verdade tem sido uma experiência muito rica quer a nível profissional como pessoal. Ainda que custe e que me magoe ter lutado por um país que não me deu oportunidades.  

O teu discurso tem tanto de errado como de contraditório. Porque afinal queres vir cá fora aprender qualquer coisa para voltar a Portugal iluminado. Certamente vais-te cruzar com algum português e vais ver como na sua essência de desistente não tem nada. Vais perceber que é possível ser feliz na saudade. E que apesar de longe há sempre espaço para querer uma pátria. 

Com os melhores cumprimentos,

Maria



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