terça-feira, 17 de março de 2015

Indiferença e Vaidade
Na mensagem de Quaresma, o Papa Francisco fala de “globalização da indiferença”.  A interpelação que nos é feita é óbvia, mas muito difícil. Difícil porque a nossa indiferença é tão profunda que já nem nos preocupamos com o facto de o sermos.
Daquilo que observo em mim e nos outros, todos nos convidamos uns aos outros a vivermos numa espécie de espaço negativo, vazio, terra de ninguém. O espaço do nim. Lugar onde tudo é aceitável, porque não temos a diligência de fazer o bem, de defender o bem, porque quem faz tem de arregaçar as mangas, tem de dar a cara, tem de procurar argumentos, tem de ouvir contra-argumentos. Dá um certo trabalho.
Nalgum momento da história, decidimos começar a não querer chocar com ninguém, a viver de acordo com tudo e com todos, vestir todas as camisolas, como se fosse aceitável dizer que sim e que não à mesma coisa, quase ao mesmo tempo. E vemos isto em todo o lado. No trabalho, para não ferir suscetibilidades. Nas conversas coloquiais, assentamos a cabeça, para continuarmos amigos de todos. Na escola dos miúdos, porque temos medo que a professora rejeite o nosso filho e porque, da escola, os professores é que sabem.
No fundo, todos preferimos andar silenciosamente, fazendo de conta que tudo está bem, que todos atuamos muito bem, que a sociedade se autogere na perfeição e que, mesmo que não o faça, não vou ser eu a mudar o rumo das coisas.
Não sei se sente o mesmo, mas já tenho dado comigo, calada, perante elocuções completamente bárbaras, a preferir calar-me e fugir porque não me lembro, no momento, de nenhuma forma de lidar com aquilo. O problema é que esta atitude se torna viciante e se alimenta daquilo que cada um tem de mais certo em si mesmo- a soberba/ a vaidade. A pouco e pouco, vamos dizendo para nós mesmos “Sou bestial, não me meto em chatices, todas as pessoas gostam de mim…”. UAU, a seguir é o vazio completo. Vivemos no conforto do vazio. Um vazio de alma que não nos leva a lado nenhum.
Bem, dizia que não nos leva a lado nenhum, mas isso também não constitui um problema em si mesmo. Estamos num estado de anestesia tal, num estado de tamanho adormecimento, que não sentimos falta de nada, até porque para sentir falta de alguma coisa, seria preciso uma premissa base muito importante- parar. Quem é que tem paciência para parar? Por isso é que andamos sempre super ocupados e nunca temos tempo para nada. Está na moda não ter tempo para nada.
Na lufa-lufa dos dias, entre uma sessão de ginástica, uma tarde de compras, a psicanálise e as atividades extra-curriculares dos filhos, estamos prontinhos para mais uma temporada de “paraíso do nada”. Quem não quiser, pode sempre tentar sintonizar a sua antena para outras atmosferas, respirar fundo e deixar-se estar em silêncio. Sem pressas, chegará o momento em que as grandes perguntas surgirão. Paulatinamente, teremos a oportunidade de ponderar o que queremos da nossa vida, que tipo de pessoa queremos de facto de ser e que aspetos temos de mudar.


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