segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

E NADA COMO UMA NOVELA RUSSA NESTES DIAS MELANCÓLICOS DE JANEIRO

A Estepe


A Estepe é a viagem de um rapazinho, desde a sua aldeia até à cidade, onde ficará a viver para poder estudar e instruir-se. Ao longo desta viagem, desfilam diante dele pessoas e circunstâncias da naturezaque são também como que personagens, em descrições de um delicioso lirismoque lhe vão dando a conhecer o mundo. É uma espécie de instrução pela experiência antes da instrução formal que a escola lhe dará. E nós vamos fazendo a viagem com ele, porque também ele é uma personagem, que se vai sentindo alternadamente triste e curiosa, assustada e perdida.
As personagens podem ser para o duro, como o tio negociante – que, contudo, amolece quando finalmente se despede do sobrinho –, ou bondosas, como o padre que os acompanha; ou melancólicas e levemente desanimadas como os carreiros a quem o miúdo é a certa altura entregue, um dos quais, Panteley, conta histórias terríveis em que o rapaz não sabe se há-de acreditar ou não; ou loucas, como o homem apaixonado que vagueia pela estepe porque não consegue estar em casa quando a mulher se ausenta.
A novela termina como começou; instalado na sua nova casa, o rapazinho despede-se do tio e do padre que regressam à terra de onde ele próprio veio, como se despedira dessa terra ao partir: em lágrimas. E a história continua, como foi até agora – é a vida, sem dramas nem enredos de maior, a simples vida que se sucede.
Esta novela poética (curtinha: 128 páginas nesta edição portuguesa – lê-se num fim-de-semana) é exemplar do estilo de Tchecov, em cujas obras não se passa propriamente nada: nãoenredo e desfecho, nãosuspense e revelação, há a simples apresentação das personagens, nas suas riquezas e misérias. Em A Estepe – escrita em 1888, aos vinte e oito anos – temos até uma espécie de brincadeira com o nosso desejo de que se passe qualquer coisa, uma partida do autor, por assim dizer: quase desde o princípio, Tchecov introduz uma personagem misteriosa, um tal Varlamoff, de quem todos andam à procura, um homem importante com quem todos querem falar. Quando finalmente conhecemos Varlamoff, é o anti-clímax…
Dizia Tchekov sobre a sua obra: "Uma pessoa tem de descrever aquilo que , aquilo que sente, de modo verdadeiro sincero. Perguntam-me muitas vezes o que queria eu dizer nesta ou naquela história, mas são perguntas para as quais não tenho resposta. Não queria dizer nada. A minha preocupação é escrever, não é ensinar." 
E sem ensinar ensina, porque não pode fazer outra coisa quem fala sinceramente da vida.

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