sábado, 19 de janeiro de 2013

Como dizer isto com suavidade?

Eu não sei, por isso sirvo-me da voz de João Moreira Pinto, marido, pai e cirurgião pediátrico, aqui:

O nascimento do segundo aproxima-se. Os preparativos para o parto incluem a programação da agenda de visitas: umas à maternidade, outras já em casa. Eis algumas considerações. O período neonatal compreende os primeiros 28 dias de vida do recém-nascido. É um período crítico, durante o qual o bebé está muito susceptível a infecções. Infecções essas que levarão sempre a hospitalização. Qualquer recém-nascido com febre exige visita hospitalar, para rastreio séptico e, muito provavelmente, internamento em unidade de cuidados neonatais.

Pensem nisto. O recém-nascido viveu os últimos nove meses debaixo de água. Recebeu sempre os nutrientes já digeridos e prontos a consumir. Pelos seus pulmões e pelo seu intestino, só circulava líquido amniótico. Os sons que ouvia eram filtrados pela barriga da mãe, que também o protegia de todas as agressões mecânicas. Todas estas 'regalias', ele perde de um dia para o outro. Este organismo fechado numa 'redoma' terá agora que lidar com ar (mais frio e mais seco, do que ele alguma vez sentiu), com a alimentação oral (leite que terá de digerir e 'partir' em todos as pequenas substâncias que fazem funcionar o corpo), com vírus e bactérias a gravitar à sua volta (a colonizarem-lhe a pele, o intestino, o nariz e a boca), com barulho, com frio, com calor. Passa de 8 para 80, em minutos, o que debilita o seu corpo frágil. Tem de ser o mais protegido possível.

Agora, o lado materno. A gravidez é um processo desgastante para qualquer mulher. Apesar de algumas não se sentirem fatigadas psicologicamente, socialmente e biologicamente o impacto é enorme. Sempre. As últimas semanas são de uma privação ao sono monstruosa. Privação esta que se manterá seguramente durante os primeiros meses de vida da criança. Depois há toda a adaptação do recém-nascido à mãe e da mãe ao recém-nascido. É uma aprendizagem que (dizem-me) é sempre nova. Não há filho igual ao outro. É o 'pegar' na mama (ou tetina), são as cólicas, as fraldas, as manchinhas, o choro por isto, o choro por aquilo, o choro por coisa nenhuma. Enfim, os primeiros dias de vida são difíceis. Bonitos de recordar, mas difíceis de viver.

Se em cima disto tudo, a Mãe tem que fazer boa cara para cumprimentar a prima, o bebé tem que se aperaltar para receber o tio da mãe da amiga, os dois têm que aturar uma sala cheia de gente a contar lugares comuns. O francisquinho nasceu assim, o outro parecia um leitão, a menina comia assado, outra nem por isso. Para além disso, existem patogéneos (vírus, bactérias, fungos) que transportamos inconscientemente nas mãos, nos cílios do nariz, na própria roupa, que entrarão em contacto com o recém-nascido frágil e com poucas defesas. Se existe alguma coisa boa (e acredito que seja das únicas) pelo facto de as famílias viverem mais isoladas, é o facto de poderem se proteger deste tipo de agressões. 

Não me interpretem mal, porque quem tem um blogue gosta de socializar. Não sou excepção. São só 28 dias, para Mãe e bebé se adaptarem convenientemente a esta nova vida. Para mim, e para a maioria dos pediatras com quem trabalhei, é uma imposição médica: as visitas durante o primeiro mês deverão ser espaçadas no tempo e restritas no número de pessoas. Aos primeiros dias, só a família mais próxima. Os outros terão muito tempo para adorar o menino.
['La Madonna dei Garofani', Rafael; fonte: nationalgallery.org.uk]

3 comentários:

Bernardo Sacadura disse...

Catarina que sorte está quase! Espero que corra tudo bem (sei que vai correr).

Quanto ao teu post eu realmente vivi uma experiencia totalmente diferente.

Aliás se me permites, o teu post reflecte um pouco um estilo que está muito em voga e que basicamente passa por tratar as crianças como se fossem de porcelana (não vão elas estragar-se). Ora não pode comer chocolate, ora não pode cair, ora tem de ter o período "neonatal", ora não pode apanhar frio não vá constipar-se... A minha experiência foi totalmente diferente.

Apenas para contextualizar, nós somos cinco irmãos lá em casa e dos quatro só tive oportunidade de estar em dois nascimentos (nos outros ainda não existia) e só me lembro do da minha irmã Ritinha (do Zi só tinha 3 anos), pelo que as memórias deste último estão assentes nas fotografias e filmes que ficaram.

Nos dois nascimentos que vi, e nos outros que não vi, não houve os "28 dias do neonatal", pelo menos no sentido que dizes no teu post. A minha família e amigos dos meus pais (o que perfaz um conjunto de pessoas considerável) estiveram lá no antes e no depois, e todos juntos ao mesmo tempo. E era pessoas a entrar, pessoas a sair, amigos dos avós que nunca tínhamos visto, primos, tios e tias, basicamente tudo e mais um par de botas.

Quando a minha irmã Ritinha nasceu lembro-me perfeitamente de o meu pai nos ir buscar à escola e fomos directos (os 4) para a Cruz Vermelha e foi chegar e era pegar, era dar beijinhos, era apertar com força, era brincar (eu cheguei até a deixar cair a minha irmã Ritinha quando a pegava ao colo, mas não é exemplo) e não nos aconteceu nada, a nenhum de nós.

Por vezes penso que esta moda até torna o nascimento num acontecimento pouco natural, torna um recém nascido pouco natural, é tudo muito estranho, é tudo muito secreto e com muitas sensibilidades. Será isso que realmente é preciso? Claro que um recém nascido exige cuidados especiais (sistema imunitário ainda em desenvolvimento, ossos frágeis e outros que tais) no entanto acho que devemos ter calma e encarar tudo com uma boa dose de normalidade, sem exageros. Antes (e não me refiro na pré história mas sim à nossa geração) não havia estes "cuidados" todos, e digo "cuidados" entre aspas porque não acredito que o sejam realmente no seu latus sensus...

Com tudo isto só queria fazer a nota de que me parece que, cada vez mais, estamos a tornar os recém nascidos em seres esquisitos e estranhos, pouco naturais.

p.s. o meu pai, para além de pai (o que por si só é a garantia de que nunca poria um filho em risco) é médico.

Catarina Nicolau Campos disse...

Afilhado querido!! Que bom ver-te por aqui!!

Antigamente mãe e bebé só se apresentavam "publicamente" quase ao fim de 3 meses!! E só pegava a família mais chegada, normalmente as mulheres e as babás! (amas, whatever!) Pelo menos foi assim com os meus avós.
Mas é mesmo uma questão de experiência:
eu cheguei a ter 20 pessoas no meu quarto ao mesmo tempo... e é mesmo verdade que os bebés com poucos dias, com o barulho, têm um "sono de defesa", e depois vingam-se quando tudo está mais calmo: o Miguel e eu comprovámos isto com a Pilar. Deu noites impossíveis, e quando o dia era mais calmo, era certo que a noite também seria.

De resto, foi baptizada antes de fazer um mês, e esta será ainda mais cedo, se Deus quiser, e assim que saímos da maternidade fomos ao Corte Inglés e a Fátima e não houve problemas ; )

Mas o facto é que a questão das visitas transtornou-me imenso. Mal tinha saído da cesariana, ainda a vomitar e sem sentir as pernas, e já tinha gente no quarto, depois ia amamentar e as pessoas continuavam lá..não gostei nada disso.

Para além de que nos dias da maternidade todos os intervalos são preciosos para dormir, e eu NUNCA conseguia dormir descansada, porque sabia que vinha alguém a entrar! Isto para as mulheres é um stress, porque já estamos um farrapo: olheiras, sem dormir há dias, cicatrizes, gretas e dores.. entrarem e nós estarmos a dormir neste estado é o derradeiro golpe no nosso orgulho feminino!
As hormonas estão fora do sítio e só nos apetece chorar...É muito complicado do lado dos pais e do bebé.

Há mulheres que lidam bem com isto, mas eu não lido nada bem. E achava que era uma ave rara até ver esta crónica e imensas mães a identificarem-se com ela.

Eu acho que é natural, no primeiro mês, resguardar um pouco mais o bebé. E nos primeiros dias, então, acho mesmo fundamental e deve ser um tempo que permita ao próprio casal aprender a lidar com as novas rotinas, com o baby, o novo alvo de amor, agora cá fora, - sem preocupações de servir o chá, vestir para receber, em vez de estar com as camisas de noite de amamentação, de pôr um sorriso e aguentar uma conversa quando só temos é vontade de dormir, etc.

Mil beijinhos para ti e para a Maga!
P.S. A tua experiência "deste lado" ainda virá! E depois falamos ;)
O Miguel também era como tu. Até dia 11 de Maio de 2011.

Anónimo disse...

Tocou na ferida!! Este assunto é bastante delicado para a Mãe, para o Pai e para o(s) filhos... Há muito que respeito as recém-mamãs por vários motivos, uns deles mencionados -maravilhosamente- no artigo supra mas também pela chamada "depressão pós parto". Senão vejamos: durante nove meses as mães são o centro das atenções, toda a gente pergunta como estamos, como está o bebé (dentro da barriga, claro) e há mimos atrás de mimos, após horas em trabalho de parto ou após uma cesariana, as pessoas querem é ver o bebé, querem saber quanto pesou (???), etc... e a Mãe?? Nessa altura a Mãe é esquecida e não respeitada. Esse não respeito não é por mal mas faz sofrer a Mãe e o Pai... a relação do casal sofre um abalo daqueles e o bebé que precisa de cuidados mil tb sofre com isso!!
Comecemos por dar o exemplo e pensar duas vezes antes de visitar as recém Mamãs...!! E sim, não encham o quarto logo no primeiro minuto!!!!
Rezemos por todas as mulheres, por todos os casais e por todos os bebés.
Obrigado p'lo artigo. Gostei!!!