sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Chiúme 23.6.71

E chego à carta escrita no dia em que soube que a filha tinha nascido.

Minha querida filha. Soube ontem que tinhas nascido, e não podes calcular a alegria que isso me deu. Não sei o dia, não sei a hora, não sei como foi. Mas sei que estás cá, no mundo, e isso é que é importante. Sou o teu pai. Há nove meses que tenho por ti um amor como nunca tive por ninguém. Um amor diferente. Há nove meses que sonho com este dia, que penso como serão os teus olhos, o teu cabelo, a tua cara. E tenho a certeza que és a miúda mais bonita do mundo e sinto-me, já, muito orgulhoso. Não fazes ideia do quanto és importante para mim. Até agora, tive dois momentos de grande, de intensa felicidade na minha vida. O primeiro, quando casei com a tua mãe. O segundo foi ontem, ao saber que tinhas nascido, a minha filha mais velha. Tu és o testemunho do amor dos teus pais, e mais um motivo a uni-los, a dar-lhes força e coragem. És a nossa filha. E nós esperamos que sejas sempre feliz, alegre e nos ajudes a viver. Trata bem da tua mãe. Tu e ela são as duas pessoas de quem mais gosto no mundo. Faz-lhe companhia, para que ela não sinta muito a minha falta. E pensa em mim de vez em quando, que tenho tantas saudades das duas. Bem, agora tenho duas mulheres em casa, acho que fico em minoria... E espero que te pareças com a tua mãe. Sempre quis ter uma filha que se parecesse com a Zé (Zé é a tua mãe) e fosse tão bonita como ela. Nós pusemos tanto amor em ti que tenho a certeza que és linda. Para nós os dois és a mais bonita do mundo. És a nossa filha. Outra coisa que eu te queria pedir era que fosses meiga para mim. Quando eu for velho, conto contigo para me ajudar. Nessa altura, serei eu a criança, o mais pequeno. E tu vais deitar-me na tua cama e contar-me histórias para eu adormecer.
Pai

Meu querido amor,
Como é ela? Baixinho para que ela não nos oiça. Quero saber tudo. Tudo! Que alegria me deste! Tiveram que repetir no rádio filha, filha, antes que eu percebesse. Mas não sei nada. Nem o dia em que nasceu. Eu bem me parecia que era uma mulher. Gosto tudo de ti. Estou tão aparvalhado de felicidade que não digo coisa com coisa. Só me apetece repetir muito obrigado muito obrigado até ao fim do papel. Até ao fim do papel. Milhões de beijos do António, marido, pai e escritor.

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